quinta-feira, agosto 18, 2005

Excertos do caderno cor-de-abóbora

OU A FÁBULA INCOMPLETA DO GATO E DO MACACO
Estou ansioso, nesta tarde de domingo. Ansioso como poucas vezes me encontro. Não sei se é porque a vida se me esvai, ou se porque estou para escrever coisas que pelo menos considero grandes. Não sei se é porque há paz, e não ameaça a minha vida, de modo que a ansiedade se me vem como um modo de conseguir não satisfazer-me em mim mesmo. O fato é que estou ansioso, de modo que decidi pôr o lápis no papel, e começar a esboçar a literatura que Flávia me pediu que lhe passasse por escrito.
Não penso que conseguirei, quando imagino a totalidade do trabalho, de modo que tentarei ser simples, e escrever desde o princípio toda a idéia, numa primeira e, provavelmente, única versão.
Estou triste. Estou deprimido. Estou enjoado. Mas não tenho como evitar isto.
Fredenando era um fidalgo de uma das casas de Toledo. Um certo dia, ao acordar, qualquer sortilégio se lhe abatera, e viu-se ele no corpo de um pequeno símio. Tentou ele dialogar com seus compatriotas, mas ninguém aceitava o macaco, de modo que acabou por ser expulso de casa. Errando, foi parar cansado em uma plantação, e dormiu, à sombra de uma árvore. Quando acordou, Fredenando estava em outro lugar. O chão era um imenso deserto cor de abóbora, e o céu daqueles azuis, sol a pino. Sem saber que fazer, Fredenando, tornado macaco, começou a perambular por aquelas paragens. Descobriu tratar-se de um gigantesco deserto, cor de abóbora. Caminhava dias e dias sobre aquela sólida superfície, como que de alguma rocha muito característica daquela viva cor. Perdeu a conta do tempo que andou, e já estava com fome, até que viu uma linha no horizonte, que cortava da sua esquerda à sua direita, a perder de vista para os dois lados, à sua frente. Caminhou a marcha mais rápida, até poder alcançá-la: era uma fenda, naquele território. A largura, talvez dez jardas. Deu seus pulos de alegria, por haver encontrado, naquela monotonia, alguma diferença, mas, ao cair de novo em si, pensou consigo: "mas... como hei de eu atravessá-la?!..." e deixou-se ajoelhar, e agachar, desanimado. Sentado no chão, pensou, a olhar para baixo, na beira do abismo, que "hei de eu descer por este lado, e subir pelo outro!", e pôs-se então ao caminho, fenda abaixo. Descia e descia. Escurecia, por causa da profundidade, e a parede começava a ficar lamacenta. E desceu e desceu. A certa altura, esbarra em uma superfície lisa e escorregadia, e se pergunta "que é isto?!", em alta voz, ao que se ouviu responder: "Uma semente." "Ãh?!", perguntou-se ele e, ao olhar para o lado, viu o vulto de um gato. "Como assim?", perguntou. "Uma pergunta por dia", disse-lhe o gato em resposta. "Mas... Quem é você?", ao que o gato respondia: "Uma pergunta por dia". Insistiu e insistiu Fredenando, mas, ao ver que não mais teria qualquer coisa da parte do gato, ao fim e ao cabo, decidiu continuar caminho abaixo, e convidou o amigo... "Vens comigo?", ao que teve em resposta: "Uma pergunta por dia; a esta, contudo, terás resposta, quer o queira eu, quer não". Ele continuou a descer. Ela deixou-se estar, ficando para trás.

0 "TAMBÉM QUERO FALAR!" / É, só que agora EU NÃO VOU DEIXAR!

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